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Carlos Pinheiro
 
29.06
Lançou o chapéu à fogueira

Naquele momento final do São João de Caruaru, a dúvida de toda vida ainda o assaltava sem decifrar se teria se apaixonado pelo jeito carinhoso e sensual que penetrava os olhos nos seus ou se pela leveza do corpo aconchegante que se encaixava num xote, sentindo contornos de coxas no espaço escondido do corpo. Ninguém dançava igual a ela. Era como se energizasse o corpo por leves picadas de abelhas, retorcia com a música, apertando o peito no seu, afastando o rosto para misturarem o olhar, em beijo suave no cenário da música de Petrúcio.

Conheceram-se na adolescência de 14, 15 anos, não tinham certeza, só sabiam que se apaixonaram na primeira quadrilha de São João do Colégio Estadual de Caruaru. Um cavalheiro à frente servia para sentir que nenhuma outra dama se encaixava tão bem em seu corpo magro como o dela. Estudar, jogar no time da classe, enquanto ela tocava tarol na banda do colégio, disputadíssima pala perfeita harmonia com que manejava a percussão. Fez de tudo para introduzir o instrumento numa bandinha de forró pé de serra, mas não obteve consentimento e a ideia maluca serviu para codificar a comunicação do casal eternamente apaixonado:

– Vamos tocar tarol, à noite? – significava dançar um xote em algum barzinho da periferia. Às vezes, em longas noites de festa, ela se excedia na caipirinha e para melhorar à tontura, pedia para dançar com o olhar cerrado, dizendo enxergar o coração do amado. Ele compreendia e rodopiava pelo salão até ela melhorar e voltar a olhar para o céu apontando a estrela que dizia ser dela. E sorriam. E dançavam. Mas, naquele último dia do Maior e Melhor São João do Mundo, quando das fogueiras só cinzas frias pela garoa da madrugada relutavam ainda fagulhar, foram dançar a última música sobre pedra no Monte do Bom Jesus, com o dia quase surgindo por detrás das serras.

Aconchegou-se em seus braços de maneira dolente pelo final da festa, sentindo o calor da fogueira terminal cujas cinzas cobriam as últimas brasas em frente à igrejinha. Cochichou em seu ouvido, chamando-a de meu amor, perguntando se estava cansada, mas ao afastar seu rosto percebeu que sua querida acabara de falecer, terminando longa história de amor de São João e de dança.

Com lágrimas chiando sobre brasa retirou o chapéu de palha e o lançou à fogueira quase apagada, mas pelo mistério do inacreditável, teve o sopro de Santa Luzia, padroeira do Monte, feliz por terem se lembrado dela e a fogueira avivou. Nunca mais brincou o São João, nunca mais dançou, nunca mais usou chapéu. Também, os passos já eram lentos.

Vê se pode?

 
 
 
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